Sinópse: “(…) Preparo um mingau, olho minhas mãos e as vejo como se fossem suas, ali, preparando docemente o alimento pra mim. Coloco sua voz em minha mente reclamando de mim, me dizendo para eu cuidar melhor de minha saúde, que me alimento muito mal, durmo pouco, e por isso eu fico doente. Faço a cara que eu faria se sua presença fosse real, finjo que tanto faz, fico meio blasè, respondo que não é nada, que daqui a pouco passa, como se você fosse estar ali pra sempre, como se o tempo não fosse soberano suficiente para nos tirar um do outro também pra sempre. Quase preparo um chá de qualquer coisa somente pra ouvir sua voz dizendo que ele, o chá, é bom pra digestão, pros neurônios, pra curar ebola e as mais diversas doenças existentes no cosmos. Não preparo. Tomo o mingau e me calo, enquanto você acaricia minha cabeça, sentenciando que ando muito pálido ultimamente. Finjo que você voltou pra cozinha, que, cantarolando, prepara qualquer coisa pro jantar, talvez uma sopa de legumes. (…)” “(…) Assim que encontrei local propício, parei o carro e peguei as duas garrafas vazias. Peguei nós dois delicadamente pelas mãos, num ar quase solene. O chão era de cimento, e, não fosse por isso, faria um enterro ali mesmo, para que um dia fossem encontradas, dadas como material arqueológico e eternizadas em um museu. Seriamos, assim, também eternos enquanto dois. Havia cesto de lixo por perto, fiz menção em arremessá-las, mas não tive coragem. Prestei minha última homenagem a nós dois, juntei as duas garrafas, pus em pé, uma ao lado da outra. Nós dois. Deixei ali, no chão. Pelo retrovisor pude vê-las antes de ligar o carro. Estávamos lá, parados, enamorados, numa solitude bem-vinda.(…)”